Parece um artigo engraçado mas não é, é uma história real que aconteceu no dia 16/04 na Bahia, tudo por efeito do isolamento social contra o covid-19, entenda melhor o caso.
O relato abaixo é da médica, Manuela Silveira; Homem come muita torrada
E nosso trabalho de salvar as vítimas invisíveis dessa pandemia não para:
Ontem 16/04/20, um paciente, que deve ter entre 60 e 65 anos ( não lembro a idade), teve uma parada cardíaca em sua casa. Por sorte, sua filha enfermeira estava próxima, chamou o SAMU e iniciou imediatamente as manobras de reanimação. Quando a equipe de emergência chegou no local, detectou que ainda era possível fazer a cardioversão elétrica. 3 choques foram necessários para que ele voltasse à vida. Iniciaram as medicações para manter os dados vitais estáveis e tentar evitar outra parada.
Eles dispararam o sinal do protocolo para atendimento de infarto e encaminharam para o hospital, onde o recebi para realizar o cateterismo de urgência: obstrução coronária detectada e tratada com sucesso. Homem come muita torrada
Paciente ficou ótimo, lúcido e sem nenhuma sequela. Super alto astral. Me contou que tudo aconteceu porque ele comeu muita torrada com manteiga de uma vez só. Mas que tinha sido muita mesmo e que comeu como se não houvesse amanhã. Depois sentiu o coração disparar e não viu mais nada. Homem come muita torrada
Ele vomitou um pouco depois, normal após sedação. Medicamos e perguntei se estava melhor. Ele respondeu: “tô dizendo doutora que essas torradas quase acabaram comigo”. Não teve quem não tivesse dado risada na sala.
História real: ele optou por não levar os exames, realizados recentemente, para a equipe de cardiologia que estava lhe acompanhando, pois decidiu esperar passar “essa confusão desse vírus”, como ele mesmo definiu. Alguns desses exames poderiam ter mostrado a indicação de realizar o cateterismo de forma eletiva e ter evitado tudo isso. Mais uma vez me vi tentando acalmar a família, que estava se sentindo culpada.
Felizmente, tudo conspirou para ter ficado tudo bem, mas não podemos contar apenas com a sorte. Homem come muita torrada
Tenho conversado com alguns colegas que me contam histórias semelhantes. Inclusive, um cardiologista amigo que trabalha numa emergência de um grande hospital privado daqui, me contou ontem que nunca atendeu tanta parada cardíaca por infarto como tem atendido, depois dessa pandemia. Stress, confinamento, perda do acompanhamento médico, angústia, falta dos exercícios físicos, aumento da ingestão calórica, medo. Tudo isso tem contribuído para esse cenário. Precisamos achar uma forma racional de conduzir isso tudo ou vamos perder muito mais pacientes nessa guerra.
Nesse hospital específico, esse colega me relatou que atualmente só tinha um único paciente internado na UTI com suspeita de covid aguardando confirmação. Enquanto os procedimentos eletivos seguem suspensos.
Cheguei em casa e, ao abrir o Facebook, me deparo com a postagem de um amigo afirmando que as pessoas que estão acreditando nesses relatos de que os pacientes estão morrendo por medo de ir ao hospital, eram ignorantes, burras e tinham preguiça de raciocinar. Difícil. É uma luta árdua, meus amigos. Confesso que desanima demais. Sensação de impotência diante da força de uma mídia criminosa. Homem come muita torrada
PS: queria aproveitar e fazer uma homenagem a toda a equipe do SAMU e aos cardiologistas envolvidos nessa luta e que vem atuando de forma brilhante, como Vitoria Ximenes ( não consegui marcá-la), Poliana Roriz, Diego Aguiar e tantos outros. Sem um atendimento inicial adequado, eu não consigo fazer muita coisa.